> Escritos: 04.2007

30.4.07

Defesa

Sempre que escrevo, fico melancólico. A que é que isto se deve, desconheço, mas a verdade é que escrever, para mim, é uma maneira de evitar que a escuridão se repita.

Ilacções

Continuo a não perceber do que é que tens medo. Sei que não sou fácil de confiar, mas acredita em mim quando digo que sou honesto; nunca de mim tirarás outras ilacções senão as que estão correctas.

Interpretações

Querer aquilo que nos parece melhor pode não coincidir com aquilo que é o melhor para nós. Querer perseguir os objectivos traçados e não se importar com lateralidades e externalidades deve ser considerada boa política.
Mas ao mesmo tempo, e por mais que tente e me convença que já foi, não posso deixar de me regozijar com derrotas alheias e com falhanços de outrem.

Oscar Wilde disse : "Não basta que tenhamos sucesso, é necessário que todos os outros fracassem."

E neste momento sinto-me assim. Quero não só vencer como ainda certificar-me que todos os outros percam e se sintam humilhados.

Mas o porquê desta vontade e desta interpretação de sinais dos que me rodeiam desconheço. E será o que analisarei nos próximos tempos.

26.4.07

20, ou a banda sonora da vida de nós os dois

8. Ryan Adams - Desire

Desligamos ao fim de horas. Olho pela janela, o dia já foi. Tiro o telemóvel do carregador e levanto-me do chão. Vou até à janela e deixo-me ficar a ver a rua deserta enquanto penso em tudo o que me disseste. Ficámos de nos encontrar, ficámos de nos beijar.
Passo a mão pela humidade do vidro, depois refresco a cara. Sinto-me afogueado, a arder de tanta vontade de voltar a ligar-te para confirmar tudo o que te ouvi dizer na tua voz tentadora. Mas conformo-me em tomar um duche de água fria e comer qualquer coisa antes de me deitar.
Fico horas às voltas na cama; não consigo dormir porque estou cheio de calor. Calor este proveniente do fogo que me consome por dentro; é o desejo por ti, pela hora que não chega de voltar a poder segurar na tua mão pequena e tímida, pelas curvas do teu cabelo que vou poder acariciar, pela tua pele da tua cara que deslizará sobre os meus dedos, pelos teus lábios sensuais que vou ter o prazer de tornar meus.
Como que a torturar-me, os minutos negam-se a passar e a luz tarda a vir. Permaneço, ali, no escuro enquanto aguardo pelo segundo em que o despertador tocar para ir ter contigo. Pego no telemóvel para te ligar, mas antes de efectuar a chamada, travo-me. Não vale a pena impedir-te de dormir. E por isso peno sozinho através da noite interminável e que parece que me engole a cada minuto que consegue suceder ao anterior.
Viro-me de lado. Agora é a parede que me fará companhia nesta vigília forçada. Festejo interiormente a cada quarto de hora que consigo ultrapassar, são menos quinze minutos até poder dizer-te o calor que me faz ficar febril e inutilizado aqui nesta cama durante horas. Fecho os olhos e aninho-me enquanto penso em ti para ver se consigo adormecer ou, pelo menos, fazer passar o tempo mais depressa.
Abro os olhos uns cinco minutos depois e olho instintivamente para o relógio. Aparentemente resultou porque passaram-se mais do que cinco minutos mas não consigo precisar quantos. Tenho o pensamento completamente focado em ti e nada mais. Pela primeira vez em muitos meses, não dói pensar e aproveito esse facto ao máximo. Viro-me outra vez na cama e fito agora a secretária que está vazia, como eu de tristeza. E é por isto que eu sei que te amo, porque me fazes sentir com vontade de rir. Lembrando-me disto, desato a rir numa histeria que aos olhos de outros que não conhecem o contexto, passaria por loucura simples. Mas é uma euforia pura e natural, porque ultrapassei meses de escuridão para ressurgir do outro lado da montanha e conseguir descer para o vale onde os rios correm e as árvores verdejantes estão carregadas de promessas. E a euforia prolonga-se quando me apercebo que o sol começa a raiar por entre os estores corridos e ilumina-me no meu riso.
Levanto-me e subo os estores para deixar entrar completamente o dia que te trará para junto de mim. Dou uma volta pela casa enquanto me espreguiço, sempre com um sorriso nos lábios. Engulo qualquer coisa na cozinha sem pensar em mais nada que não tu. A televisão aborrece-me pelo simples facto que ninguém fala de ti. Vou-me deitar novamente para tentar então descansar alguma coisa.
As horas passam e os meus olhos permanecem orgulhosamente abertos. Vejo as nuvens que se formam e vão tapando o sol. Irá chover e arruinar o dia radioso mas não será capaz de apagar o fogo que arde em mim e que irá aumentar de intensidade inversamente à distância e o tempo que nos separam. As nuvens ameaçam mas não cumprem e eventualmente acumulam-se de maneira a acinzentar o dia, mas não me deixo desmorecer. Se tínhamos tudo contra nós e conseguimos deliberar que ficaríamos juntos, não será pela vontade da natureza que isso não vá acontecer.
Levanto-me outra vez mas agora sim para ir ter contigo. Tudo o que se passou durante a noite passada foi como que varrido da minha existência. Só existes tu e eu, e seremos felizes enquanto assim fôr. Não te disse isto ainda, mas dir-te-ei e sei que concordarás com a tua voz cortada por um sorriso. Deste-me tantos indícios ontem à noite que não sei mais o que pensar senão o que verbalizo agora e cumprirei daqui a apenas umas horas, umas míseras horas que me impedem de entrar em estado de pura felicidade.
Páro para pensar neste facto. Não sei o que é a felicidade há tanto tempo que não sei o que devo fazer para prolongá-la. Espero que tu saibas e que consigas fazê-lo ao mesmo tempo que me ensinas a viver novamente. E é com este pensamento e esperança que, saindo de casa para te dizer tudo isto, reafirmo interiormente que te amo.

19.4.07

20, ou a banda sonora da vida de nós os dois

7. Amos Lee (with Norah Jones) - Colors

Acordo, estremunhado, com a luz que entra pelas janelas e incide directamente na minha cara. Tento perceber onde estou e porque é que me sinto tão mal. Sem tréguas, o desespero da noite anterior volta e com isso a explicação para tanto sofrimento. Tinha tentado mais uma vez pôr de lado os problemas com recurso à bebida e tinha resultado, nem que fosse durante umas horas. Mas agora estava a ressacar e continuava a não saber o que pensar sobre o que se tinha passado entre nós dois.
Levanto-me resignadamente. Dirijo-me para a casa de banho e abro a torneira. Entro na banheira e deixo que a água fria me arrefeça a pele, numa tentativa de arrefecer o turbilhão de pensamentos negativos que revoluteiam na minha cabeça.
Enquanto me seco, olho-me ao espelho. Nunca percebi porque é que sempre tive um ar gasto, velho, cansado. Apesar de ter sofrido durante mais de metade da minha vida, tive momentos felizes que deveriam atenuar, ainda que minimamente, os momentos maus. Mas a verdade é que tal não acontece e por isso aparento ter mais uns dez anos do que na realidade tenho. Apoio as mãos no lavatório para examinar mais de perto os meus olhos; quase que me vejo reflectido no seu reflexo. De um verde claro, quase transparente, formam uma situação enganadora. Houve quem me dissesse que os meus olhos deviam ser escuros, como a minha alma e que assim as pessoas pensavam que eu era uma pessoa alegre e viva, quando muito pelo contrário, consigo quase sempre trazer infelicidade aos que me rodeiam e que retorna inevitavelmente a mim.
Perco-me nestas considerações e nem oiço o telemóvel a tocar na sala. Passam-se alguns minutos e certamente umas quantas chamadas a que não respondi até que me apercebo que alguém tenta comunicar comigo e poderá ser, momentâneamente, uma maneira de escapar de tanta e incomensurável tristeza. Desloco-me para a sala a fim de perceber quem seria que incomodava a minha estada no abismo e, estonteado, vejo que a pessoa que me liga dá pelo nome de Leonor e que o seu nome e contacto tinha sido inserido na lista telefónica. Sento-me e respiro fundo; atendo.
Com a voz ainda embargada das lágrimas que choraste quando percebeste que sentias alguma coisa por mim, perguntas se me lembro de ti. Apetece-me gritar, saltar, atirar móveis pela janela; claro que me lembro de ti, modificaste a minha vida apenas com algumas palavras. Mas permaneço tranquilo enquanto dizes que pensaste em mim a noite toda e que agora percebias porque é que eu tinha um ar tão calmo.
Contraponho que é para evitar possíveis desilusões e que por isso mantenho um ar frio e distante. Mas, como tentas dizer agora, eu falei contigo e mostrei que existia em mim uma doçura incompreendida. Rio-me silenciosamente; não percebo como é que continuas a acertar tudo sobre mim, agora até pelo telefone.
E, tomado certamente pela inspiração de ouvir a tua voz novamente, digo tudo tanto quanto me vai na alma. Digo-te que as cores parecem mais esbatidas desde que te foste embora no miradouro, que as coisas que me aconteceram desde ontem começam a ganhar contornos de acasos mais do que casuais.
Falas e falas e não me canso da tua voz. Agora sempre que pausas para respirar, também eu fico em suspenso, receoso que não voltes a expressar mais alguma verdade inquestionável acerca de mim e que eu te perca novamente e volte, mais uma vez, para os confins do chão da sala e para o fundo de mais uma garrafa vazia.
E continuamos, como as horas que passam, a tentar encontrar entre nós dois uma explicação para tanta sintonia, e como tantas vezes acontece, teremos que declarar o destino vencedor.
Explicas-me o que sentes. Eu não consigo descrever o que sinto por ti. Não que me falte vocabulário, mas simplesmente porque acho que não existem ainda palavras que te definam, como aquelas que cantavas suavemente quando pensavas que eu não te ouvia.
Mas eu estou apenas atento a uma coisa em particular, e finalmente, após horas de martírio, ficam revelados finalmente os teus interesses em mim. E após ter ouvido as palavras mágicas, renovo-me totalmente por dentro. Disseste, com voz lacrimejante, que havia qualquer coisa em mim que te compelia a aproximar o mais próximo possível e, não querendo desfeitear a tua onda melancólica, não te aviso que o que te puxa, será inevitavelmente o que acabará por nos separar.

17.4.07

Atenuantes da derrota

Dou-me por derrotado em alguns aspectos. Nada há a fazer quando tudo parece estar num conluio soturno contra aquilo por que luto, almejo e desejo.

Já me dei por resignado quanto a vender cara a derrota; de momento, apenas posso adiar o inexorável avanço hostil mas nunca, nunca, farei desta uma vitória pírrica para o outro lado pois por mais que tente, já fui batido e não causarei grandes danos.

Os únicos atenuantes da derrota são, sem dúvida, os tempos que se aparentam melhores, mas esses, ah!, esses estão no horizonte longínquo e apenas posso continuar a mirá-los de longe, ao de longe...

12.4.07

20, ou a banda sonora da vida de nós os dois

6. Earlimart - It's Okay To Think About Ending


As folhas amarrotadas começam a empilhar-se no chão que rodeia a cadeira onde me sento; com a fúria que sinto atiro a que escrevo com tanta força, que ela sai do quarto e vai aterrar no corredor. Nada do que escrevi te faz jus, por isso continuo a tentar até conseguir.
Passadas horas e horas, já não há mais folhas para escrever. Estou deitado no chão enquanto tento perceber porque é que os meus pensamentos eram prolíficos ainda de manhã mas agora que anoiteceu, são estéreis. Exasperado por pensar que se calhar não foste mais do que uma fonte de atracção passageira, aninho-me no meio das folhas que têm palavras que são falsas, incompletas, erradas. Começam-me a falar; as suas vozes ecoam nos meus ouvidos durante tanto tempo que lhe perdi a conta.
Acordo, enregelado, e ainda sem ideias. Levanto-me vagarosamente; não há necessidade de pressas. Não porque esteja envolvido em tranquilidade, mas antes porque me afogo em melancolia. A escuridão lá fora acentua a minha incapacidade para me sentir bem. Sento--me na cozinha enquanto bebo água. Massajo os olhos inchados; não me vi ao espelho, mas tenho a certeza que estão raiados de todo o sangue me veio à cabeça enquanto, no sono, tentava descobrir o que é que faltava.
Como uma porta que nos bate na cara, percebo: não disseste se me querias voltar a ver. Agora completamente derrotado, levanto-me e deito-me no escuro da sala. Olho, como tantas vezes olhei, para as garrafas que espreitam por entre as portas semi-abertas do armário das bebidas junto à mesa. É uma solução demasiado fácil para hoje, para o que se passou, para toda a espécie de problemas que possam resultar do meu desejo não correspondido. De olhos cravados no tecto, compreendo que não faz mal pensar no fim das coisas e nem sequer é muito mau pensar que as coisas que possam ter um início não o tenham porque não se tenta.
Suspiro; percebo que estou perdido. Perdido como todas as vezes que alguém me despertou a atenção e acabou em nada, perdido como tantas e tantas noites que acabo sozinho com uma garrafa vazia deitada ao meu lado, perdido como sempre me sinto quando não tenho ninguém a quem ligar no fim da noite ou quando já não há ninguém que me espera em casa com um sorriso afectuoso.
Suspiro; percebo que estou apaixonado. Apaixonado como todos os dias estive enquanto fui feliz, apaixonado como todas as vezes que me foi segurada a mão sem esperar nada mais do que um aperto carinhoso de volta, apaixonado como sempre que me olhava e percebia que era sustentado por algo mais que auto-comiseração, quando conseguia gostar mais da pessoa que me amava do que gostava de mim.
Suspiro; percebo que não há outra solução para o problema que me pões. Estendo o braço para a garrafa mais próxima e, arrancando com os dentes a tampa, começo a beber.

11.4.07

Declaração de princípio

Ao mesmo tempo que rejeito os epítetos, reconheço que só quem não tem expectativas é que não sai desiludido.
Abraço, então, o estoicismo como única maneira de conseguir lidar com as incongruências e incoerências intrínsecas às pessoas.

Categorização

Ultrapassado o frio, vem a esperança de tempos melhores, onde possamos amenamente contemplar o sol que desce por entre as árvores que oscilam suavemente ao sabor do vento e concluir que pertencemos à categoria irrecuperável do casal da juventude para o qual não há futuro.

6.4.07

20, ou a banda sonora da vida de nós os dois

5. Rolling Stones - You Can't Always Get What You Want

Estou agora só e percorro as ruas em sentido inverso. Aquelas nossas horas foram mágicas e queria que nunca acabassem, mas não se pode ter tudo o que se quer. O ar frio bate-me na cara; estou já completamente sóbrio mas não me apetece pegar no carro, por isso vou a pé até casa. Passo pelos cafés que abrem, pelos homens que varrem as ruas, pelos quiosques que expõem os jornais diários com as suas manchetes de notícias que me parecem completamente desinteressantes em comparação com o que se passou ontem à noite.
Quero dizer às pessoas que te conheci, quero gritar o teu nome até ficar rouco, quero voltar a ver-te. Mantenho-me tranquilo enquanto caminho lentamente, tentando não me esquecer de qualquer pormenor; cada curva do teu cabelo, a tua voz cortada por uma gargalhada discreta sempre que dizias algo que sabias que eu iria gostar (como se me provocasses), a maneira como mexes as mãos enquanto falas, a simplicidade do teu pensamento. Se me perguntassem agora para te descrever, acho que era capaz de fazê-lo na forma de um poema; porque toda a inspiração que corre nas minhas veias flui dos pequenos detalhes que me vêm à memória a cada passo que dou.
O sol bate-me directamente na cara; revigorado pela energia que recebo, faço os últimos quarteirões até casa já a correr. Tenho pressa em sentar-me e escrever tudo aquilo que és, que representas e que significas. Abro a porta do prédio com um empurrão; impaciente com o elevador que não chega, lanço-me sobre as escadas e subo os degraus dois a dois, três a três, quatro a quatro. Bato a porta com tanta força que as coisas que estão na mesa da entrada caiem. Vôo para o meu quarto e empurro todos os papéis desordenados em cima da secretária para o chão. Tiro uma folha limpa da resma e pego numa caneta. Sento-me e começo a ensaiar e ordenar na minha cabeça os caracteres que vou escrever e que serão uma descrição fiel de ti; a perfeição.