> Escritos: 01.2006

16.1.06

Centenário

Este é o centésimo post deste blog. A mim, que os escrevi, parece-me que se passaram 100 anos desde que começei aqui a escrever; os dias e as coisas demoraram tanto tempo a passar, envelheci tanto... posso dizer que senti cada um dos 365000 dias se passam num século a atravessar-me impiedosamente. Mas cá estou, firme e inabalável, pronto para mais um século de dor, felicidade, necessidade, reflexão...

RCA

6.1.06

Inveja ou O segundo aniversário de estoicismo

Revejo mentalmente os estados diferentes de cada um à partida para ao que chegamos agora. Fiquei claramente para trás em algum ponto da corrida, mas nem o sei identificar, tantos são os momentos que me parecem possíveis de os ser.

Fiquei para trás irremediavelmente no momento em que abri ambas as mãos e esperei, esperei, esperei... No momento em que me apercebi que já não havia nada por esperar, foi quando soube que fiquei para trás. Entre esses dois momentos, dor. Dor de tal intensidade que deixou sequelas para o que ainda hoje vivo e digo e sinto e faço. As feridas podem até já ter cicratizado, podem até já ter fechado e nunca serão abertas, mas doiem. Doiem enquanto o meu sangue passar perto delas, doerão sempre enquanto as mostrar de tal forma a que alguém as pode tocar.

E caminho, sob a chuva, sob o sol, sobre a estrada, sobre a rocha; caminho sempre em busca do trilho de que me afastei para que possa recomeçar. E invejo quem dele nunca se afastou ou o encontrou mais rapidamente que eu. Invejo o talento de outrém, porque eu não consigo encontrar a fonte de onde eles bebem, não recebo a energia que os faz mover para encontrar o caminho, não encontro o caminho que os faz reviver aquilo a que todos temos direito, excepto eu, pois inadvertidamente devo ter infringido uma lei qualquer desconhecida de nós, mortais.

Mas conformo-me na minha inconformidade. Sempre me senti como Prometeu, sempre inconformado com aquilo a que tinha que obedecer. Nada há de mudar, cometerei sempre os mesmos delitos, pois para isso fui gerado e criado. A minha busca da felicidade moderada reside e passa pela necessidade de equilíbrio mas sem cometer os excessos daqueles que precisam de retirar, sem nunca repôr.

Conformo-me por agora com o meu estoicismo, mas vivo na certeza que cedo ou seguramente me inconformarei e disso me rebelarei. Vivo na certeza que hei-de ser feliz.


RCA

5.1.06

Perfil

Agarrava a rede com a mão esquerda. Observava, para lá desta, algo indistinto, movendo lentamente os olhos. Levou a mão direita ao bolso das suas calças que faziam conjunto do fato com o seu casaco escuro e sóbrio. Suspirando silenciosamente, olhou para o seu relógio de pulso. Manteve-se imóvel por uns momentos e, de seguida, afastou-se da rede que o separava do lado de lá; o lado dos outros, dos restantes.

Mordia o lábio inferior por dentro enquanto caminhava de mãos nos bolsos. Retirou-as e procurou algo no bolso interior do casaco. Remexeu durante uns instantes e tirou finalmente aquilo que pretendia: um pequeno bloco de notas e um lápis. Escreveu algo, em andamento, antes de voltar a guardar o bloco no seu lugar. Olhou para o seu lado e viu um rapaz que lhe retribuía o olhar. Imobilizou-se e abriu a boca para dizer qualquer coisa, mas fechou-a repentinamente e voltou a morder a já sua familiar afta no lado de dentro do lábio inferior. Remeteu aos bolsos as mãos; as pernas retomaram o movimento; a mente registou, para anotar mais tarde, as palavras que não disse uma vez mais.


RCA


Este texto é um pequeno (e insignificante) tributo a todos os Toby Zieglers do mundo.

A minha rede

Foi posta ali ao lado a minha rede. Eu sei que é uma novidade, mas a vida é feita de coisas novas.


RCA

4.1.06

And then again, what's the point?

Estou a falar, gritar, sangrar para as paredes.


RCA

Eppur si muove

Está parado no papel, mas em pleno movimento aqui dentro. Descobri finalmente o final daquilo que é agora a minha finalidade.


RCA

3.1.06

No horizonte longínquo

Adivinha-se a libertação de mais uma das correntes... Se isso acontecer, então faltará pouco, muito pouco, para a emancipação completa. Quem sabe, poderei mesmo vir a ser feliz.


RCA

2.1.06

Gritos

Instantes de sanidade digladiam-se com a eterna dormência e lassidão. Ao longe, as torres brancas são guardiãs da esperança perante os céus baixos, espessos e pesados, prestes a desabar. Gritos ecoam nas falésias e saliências onde as lapas se agarram desesperadamente à vida. Caio de joelhos enquanto a minha garganta se liberta de tanta coisa e de tanto tempo acumulados. Sou fustigado pela brisa salgada e pela chuve doce, como que num paradoxo.

Retraio-me. Já foi tudo libertado; a minha garganta pede tréguas enquanto se inflama. Páro de apelar às torres brancas, cumpriram a sua missão. Suportei a tempestade e ergo-me dos escolhos, enquanto me reinvento. Ultrapassei esta provação, porventura a pior.


RCA

Príncipe

Contemplo as diminutas dimensões do meu espaço de controlo e segurança. A obsessão instalou-se e só partirá quando for obedecida totalmente e sem discussão. Daqui observo o que me circunda: desolação e solidão. Olho para dentro e o cenário é o mesmo. Analiso melhor e concluo que a altitude média da minha vida é de 0m acima do nível do mar; não há montanhas ou depressões que apaguem a monotonia da pradaria seca, fera e estéril, infinita na sua devastação. Não sei o que é maior; se a solidão que me rodeia ou a força do vento que bate os campos infindáveis do meu pequeno espaço de controlo e de segurança.

E, no entanto, vivo nessa desolação, nesse ermo de ausência de sentidos e de sensações, porque eu sou o Príncipe da minha própra desolação.


RCA

Manifestações

Acordei e voltei. Escrevi e publiquei. Mais se seguirá.


RCA

Despertar

Lentamente, a luz do sol nascente sobe o meu peito até chegar aos meus olhos. Um copo retine ao longe, passos aproximam-se. Os meus ouvidos vibram com os sons, os meus olhos reviram-se debaixo das pálpebras, o meu nariz capta odores familiares, os meus dedos tacteiam o tecido do que quer que seja que me cobre o corpo, a minha língua saboreia os meus lábios. Os meus sentidos fervilham com tantas sensações que há muito não se manifestavam. A tão familiar dor percorre cada um dos meus membros, impulsionando o meu corpo a reagir. Abro os olhos e desperto. Estou de novo acordado, estou de novo vivo.


RCA