> Escritos: 08.2007

1.8.07

Sonhos

Sequências.

Abro os olhos; a luz forte do sol desmaiou as cores. Vivo num mundo a preto e branco durante alguns minutos, sendo a única cor presente a do azul vivo dos meus calções. A pele, quente, anseia por frescura. Cedo ao seu desejo e dirijo-me ao mar, onde mergulho nele. Volto para a minha toalha, onde, a seu lado, estás tu deitada, ao sol, como uma daquelas actrizes famosas. Só te falta o copo de cocktail ao lado e poderias ser uma.
Saio do duche e visto um roupão. Sento-me numa cadeira no terraço do nosso quarto de hotel; o sol põe-se gloriosamente sobre a baía e, ao longe, nuvens escuras preparam o seu assalto à terra firme, onde depositarão a sua água durante uma meia hora e dissolver-se-ão para reagruparem amanhã, sobre o mar revolto. A tua voz chega-me aos ouvidos lá de baixo. Espreito, debruçado no corrimão, e vejo-te a falar com alguém, oculto por uma árvore qualquer, daquelas que só crescem nestes sítios tropicais. Pareces rir, pareces satisfeita. Recordo o ar de leve indiferença que me tens dado nos últimos dias e um batimento cardíaco fora do lugar faz-me pensar na tua fidelidade. Concentro o olhar na água transparente do mar e tento fechar a mente a outras considerações.

Vive-se de noite. Sai, de um tugúrio na parede, luz que convida. Entro na casa velha e encontro alguém que reconheço, ainda que fugazmente, e que me indica a porta que dá para o quintal. Lá fora, de roda da mesa, um grupo de pessoas conversa à luz eléctrica das lâmpadas de baixa voltagem, o que confere uma aura soturna sobre a noite. Estás sentada, uma versão mais nova de ti, ao colo de uma mulher. Sento-me na cadeira vaga, a oposta, e fito-te. Tens o quê, 15 anos? Como rejuvenesceste? Alguém fala sobre férias e não consigo deixar de franzir uma sobrancelha. Como se perguntasse porquê este tema, antecipas-te e dizes-me para acordar. Quando replico que estou acordado, riste-te e repetes a advertência.

Estou acordado, digo eu novamente. Agora estás, respondes tu. Assusto-me ao ver a tua versão do presente. Olho à minha volta; adormeci, embalado pelo sabor do rum e o odor das folhas de tabaco, por entre as cortinas de fumo dos charutos fumados por homens com aspecto de negócios medíocres e respectivas mulheres com ar de quem era capaz de ir para trás da palmeira mais próxima e enganar o marido ali mesmo. Não te distingo delas e refiro que estou cansado para arranjar uma desculpa para ir para o quarto.

O naufrágio parecia inevitável, mas não páro de acenar ao barco, da falésia. O recife é traiçoeiro e a maré baixa, mas aparentemente o capitão não o sabe. Começo a gritar mas perdem-se os avisos no vento marítimo que bate forte e bruscamente. Sou varrido por uma vaga e a custo levanto-me, mesmo a tempo para ver que a quilha embate numa rocha e o casco quebra-se. Um só marinheiro vem à amurada, talvez para fazer um relatório de estragos. Fita longamente o sucedido e volta para a ponte, talvez para relatar a ocorrência. O sol acaba de se pôr e a noite passa rapidamente: nem dei por ela. O barco ficou encalhado e aguentou estoicamente a provação. Ao alvor, reparo na tripulação que abandona o navio nos escaleres, enquanto que o capitão, que ficara para trás, desce ao recife e deposita qualquer coisa junto à brecha no casco. Sobe novamente para bordo e vejo-o manejar um instrumento. Percebo que vai dinamitar o que resta do casco e que prende-o ao recife, numa tentativa desesperada de se soltar. Grito novamente para preveni-lo da loucura mas calo-me quando consigo olhar bem para o capitão, reconheço-me na sua azáfama. Reconheço-me porque ele sou eu. E olho com pavor a explosão causada e que certamente foi mal calculada: o navio explodiu na sua totalidade.

Ouço então o ruído da explosão; chega-me agora aos ouvidos através da porta que bates. Deitado, semi-despido sobre os lençóis, o cabelo adeja-se-me à testa com o suor. Acendes uma luz e protesto perante tal acção. Apagas a luz e deitas-te a meu lado na cama. Não te vi despir mas parece-me que o estás. Puxas-me um braço para ti e dizes qualquer coisa de que me devia recordar, mas ignoro-o. Mudas de posição: estás agora deitada em cima de mim e beijas-me e levas-me a mão pelo teu corpo quente. Mesmo quente, tão quente que queima. Onde estiveste? Respondes que foras a uma festa ali ao lado e continuas a beijar-me, agora na cara e no peito. Vou a dizer qualquer coisa, mas percebes que o meu peito se eleva com a inspiração aquando da formulação das palavras e pões dois dedos na minha boca, para me calar. Fecho então os olhos e deixo-te fazer o que quiseres comigo.

Sais para o trabalho, eu fico em casa. Já ganhei dinheiro suficiente este ano para não ter que pôr os pés no escritório durante uns tempos e decido-me por ficar os dias em casa, a dormir no sofá enquanto a televisão, ligada e com o volume no mínimo, deixa-se contentar por ser companhia. Chegas e trazes contigo um sorriso. Animada, mostras as compras de meio da tarde e indicas que vamos jantar fora, com amigos. Que amigos, interrogo-me silenciosamente. Olho pela janela e semicerro os olhos. O que é que vais fazer agora, perguntas. Não podes ficar os dias todos em casa, continuas, e eu confesso-te que me apanhaste num momento de fraqueza. Ainda não sei, ainda não pensei nisso, minto. Desprezas a minha fala e vais tomar um duche. Genuinamente interessado, sigo-te até à casa de banho e observo-te, pela porta entreaberta, enquanto te despes e entras na banheira. Apercebes-te disso e convidas-me a entrar mas replico que tenho que me vestir e vou para o quarto fazê-lo.
À mesa, com todos presentes, ouço-me fazer um brinde ao nosso amigo comum que se vai embora em breve e que por isso devemos beber a nós todos: porque somos jovens, atraentes e estamos vivos no meio do nosso poder e fortunas obscenas. Enquanto bebemos e eu me sento, sinto a tua deslizar sobre a cadeira e procurar a minha. Segredas-me ao ouvido que queres que eu beba, que tu levas o carro para casa e que hoje eu tenho que me divertir. Como um rapazinho, obedeço-te. Bebemos todos e saímos para as ruas calcetadas e que sobem por entre os prédios baixos e que têm varandas de ferro forjado. Nos rés-do-chão, bares vendem a jovens, tão díspares de grupos sócio-económicos e culturais. Repreendes-me por estas considerações, chamando-me de velho. Surpreso, vejo melhor a tua roupa justa que te realça as curvas do corpo. Beijo-te e beijas-me também, partilhamos o mesmo furor que o calor de meia noite nos traz.