> Escritos: 20, ou a banda sonora da vida de nós os dois

12.4.07

20, ou a banda sonora da vida de nós os dois

6. Earlimart - It's Okay To Think About Ending


As folhas amarrotadas começam a empilhar-se no chão que rodeia a cadeira onde me sento; com a fúria que sinto atiro a que escrevo com tanta força, que ela sai do quarto e vai aterrar no corredor. Nada do que escrevi te faz jus, por isso continuo a tentar até conseguir.
Passadas horas e horas, já não há mais folhas para escrever. Estou deitado no chão enquanto tento perceber porque é que os meus pensamentos eram prolíficos ainda de manhã mas agora que anoiteceu, são estéreis. Exasperado por pensar que se calhar não foste mais do que uma fonte de atracção passageira, aninho-me no meio das folhas que têm palavras que são falsas, incompletas, erradas. Começam-me a falar; as suas vozes ecoam nos meus ouvidos durante tanto tempo que lhe perdi a conta.
Acordo, enregelado, e ainda sem ideias. Levanto-me vagarosamente; não há necessidade de pressas. Não porque esteja envolvido em tranquilidade, mas antes porque me afogo em melancolia. A escuridão lá fora acentua a minha incapacidade para me sentir bem. Sento--me na cozinha enquanto bebo água. Massajo os olhos inchados; não me vi ao espelho, mas tenho a certeza que estão raiados de todo o sangue me veio à cabeça enquanto, no sono, tentava descobrir o que é que faltava.
Como uma porta que nos bate na cara, percebo: não disseste se me querias voltar a ver. Agora completamente derrotado, levanto-me e deito-me no escuro da sala. Olho, como tantas vezes olhei, para as garrafas que espreitam por entre as portas semi-abertas do armário das bebidas junto à mesa. É uma solução demasiado fácil para hoje, para o que se passou, para toda a espécie de problemas que possam resultar do meu desejo não correspondido. De olhos cravados no tecto, compreendo que não faz mal pensar no fim das coisas e nem sequer é muito mau pensar que as coisas que possam ter um início não o tenham porque não se tenta.
Suspiro; percebo que estou perdido. Perdido como todas as vezes que alguém me despertou a atenção e acabou em nada, perdido como tantas e tantas noites que acabo sozinho com uma garrafa vazia deitada ao meu lado, perdido como sempre me sinto quando não tenho ninguém a quem ligar no fim da noite ou quando já não há ninguém que me espera em casa com um sorriso afectuoso.
Suspiro; percebo que estou apaixonado. Apaixonado como todos os dias estive enquanto fui feliz, apaixonado como todas as vezes que me foi segurada a mão sem esperar nada mais do que um aperto carinhoso de volta, apaixonado como sempre que me olhava e percebia que era sustentado por algo mais que auto-comiseração, quando conseguia gostar mais da pessoa que me amava do que gostava de mim.
Suspiro; percebo que não há outra solução para o problema que me pões. Estendo o braço para a garrafa mais próxima e, arrancando com os dentes a tampa, começo a beber.