> Escritos: 06.2005

17.6.05

Ditadura

Porque é que se sofre? Porque é que se pode passar de um sentimento de invulnerabilidade para uma total e completa frustração? E, acima de tudo, como?
São feridas infligidas por palavras, actos, gritos, gestos. São feridas que só com o tempo saram, se de facto podem sarar. Aqueles que conseguem ressurgir por entre os escombros de uma desilusão, um fracasso, uma derrota, sabem o que custa ligar-se a outra pessoa de modo a poder ficar numa posição em que se pode magoar novamente. Todas estas considerações e meditações levaram-me a concluir que a melhor maneira para tal não acontecer, é instaurar uma ditadura. Uma ditadura de amor (ou de sua proibição) e uso exclusivo dele por apenas aqueles considerados “aptos para amar”.
Tais pessoas seriam aquelas que foram, estão, estiveram magoadas por outras, pois essas sabem utilizar o amor de forma correcta. Seriam criadas “juntas médicas” especializadas para avaliação e atribuição especial de uma licença para o uso de sentimentos afectivos. Todos aqueles com antecedentes de terem magoado alguém inocente seriam proibidos de sentir e banidos da sociedade que poderia amar.
Um dos apanágios desta ditadura, é o facto de aqueles que magoaram não poderem voltar a fazê-lo. Ser-lhes-ia retirada a possibilidade de o fazerem outra vez, à custa de nunca mais sentirem amor. Será justo pensar assim? Se calhar não, mas se pensarmos nas dores provocadas por eles a outros por causa do próprio amor, então nada temos que sentir senão ira perante este esbanjamento. E é com esta convicção que eu lutaria por isto, juntamente com todos aqueles que estão fartos de sofrer. Fartos de sofrer por culpa daqueles a quem tínhamos jurado a nossa vida e que fizeram dela um joguete nas suas mãos maldosas.
Mas basta que ela me toque na cara, que me beije, que me deixe mexer nos seus cabelos para que tudo isto não passe de sentimentos cá dentro que nunca sairão pela boca, mas sim pelos dedos. Porque é nessas alturas em que de facto penso que tudo isso não vale a pena, mas sim estar ao lado dela, amá-la e fazer dela a pessoa que me faz feliz. E com isto a revolver-me os pensamentos, deixo-me ser levado pelo seu abraço débil, pelo qual sou capaz de dar a minha vida. Abraço-a, pois, e esqueço tudo. Desejo ficar nesta união para a eternidade, onde nada nem ninguém nos poderá separar.


RCA