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25.11.04

Escadas

Sexto. Descemos lentamente, de mãos dadas. Olhamo-nos nos olhos; sorrisos. Passo-lhe a mão pelo cabelo, aperto-lhe a bochecha. Empurra-me com a anca e diz-me para parar. Volto a apertar-lhe a bochecha, mas desta vez evito o encontrão. Agarro-a pela cintura e beijo-a. Sorri, simplesmente. Continuamos a descer.

Quinto. Vou descendo de costas, à frente dela, para poder ir falando cara a cara. Pergunto-lhe se já lhe tinha dito que era linda. Finge um ar amuado e diz que não. Ponho as minhas mãos na cara dela; está tão quente! Digo-lhe que é linda e beijo-a novamente. Ficamos assim uns segundos, até que ela diz para continuarmos a descer. Puxo-a pela mão e descemos.

Quarto. Deixo-a passar à minha frente e abraço-a pelas costas. Beijo as suas bochechas redondas enquanto lhe faço festas na barriga e sinto-a aproximar-se de mim. Procura os meus lábios e eu não lhos nego. Beijamo-nos apaixonamente; afinal, estamos apaixonados, somos jovens e temos a vida toda para aproveitar! Sem dar explicações, viro-a de frente para mim e encosto-a à parede. Percorro a sua cara com a minha boca e segredo-lhe que a amo. Empurra-me com os braços, diz-me que ali não. Olho-a com ar de desafio, ao qual responde que não abanando a cabeça. Digo-lhe que não vou desistir e fazemo-nos aos degraus, mais uma vez.

Terceiro. Surpreendo-a com um beijo. Os seus lábios estão tão ávidos quanto os meus; eles ligam-nos como cola. Sinto as suas mãos percorrerem-me o corpo. Digo-lhe que afinal ela quer tanto como eu. Embaraçada, não responde. Pergunto-lhe se quer voltar lá acima. Hesita, mas acaba por responder que não. Não vale a pena, diz ela. A isto respondo com beijos ainda mais intensos e fogosos. Ouço-a dizer para irmos embora e as suas mãos puxam-me em direcção ao andar abaixo.

Segundo. Desta vez é ela que me encosta à parede. Tudo porque a agarrei pelo braço e disse que queria voltar lá acima. Encosta-me e beija-me. Gosto de ser beijado, sentir os seus lábios quentes e húmidos na minha cara. Aperto as minhas mãos contra o seu corpo e puxo-a para mim. Ficamos assim, juntos, durante algum tempo. Quando nos libertamos, vemos nos olhos um do outro a chama da paixão. Percebemos agora que devíamos ter ficado lá em cima. Mas continuamos a descer.

Primeiro. Último andar. Parece-me que vamos ficar por aqui muito tempo. Não conseguimos soltarmo-nos dos lábios um do outro, há demasiadas coisas envolvidas para que nos libertemos assim. Beijamo-nos interminavelmente e apertamo-nos. Parece que nos queremos fundir num só. Somos apenas interrompidos pelo barulho do elevador, que desce. Estamos então nesta indecisão de ficarmos assim, irmos embora ou voltarmos para cima. Respondemo-nos mutuamente com um beijo e descemos.

Rés-do-chão. Saímos. Caminhamos lentamente, de mãos dadas. Olhamo-nos nos olhos; sorrisos cúmplices. Passa-me a mão pelo cabelo e aperta-me a bochecha. Agarro-lhe o braço suspenso. Ela abre a mão e faz-me uma carícia na cara. Puxo-a para mim e beijamo-nos uma última vez. Deixo-a seguir o seu caminho para casa e volto para trás, para subir sozinho aquelas longas escadas.

RCA