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10.11.04

Redenção - Parte 3 - Avião

De cabeça baixa, recebo o meu passaporte e o bilhete de avião das mãos da rapariga do balcão, onde fiz o check-in. Evitei deliberadamente o olhar, para não ficar subconscientemente a desejar aquela rapariga também. Dirijo-me até à sala de espera, envolto em pensamentos. Pensamentos de coisas do dia a dia, inutilidades e curiosidades, tudo para não ter que pensar nela e nos meus desejos. Quando a porta de embarque se abre, deixo as pessoas precipitarem-se. Sigo-as na cauda da fila, levando o meu bilhete na mão. Sinto-me corar quando a hospedeira me indica o meu lugar, mas não deve ter reparado, porque a seguir já estava a dizer o mesmo a retardatários que ficaram para trás de mim. Sento-me e fecho os olhos. Abro-os só para apertar o cinto de segurança e endireitar a cadeira. Não gosto de andar de avião, e fazer esta viagem, por estes motivos, ainda me custa mais.
Acordo com o avião já no ar. Aparentemente, na última meia hora tive paz. Não sonhei, não senti nada. Se ao menos fosse sempre assim... Lembro-me com alguma tristeza que ela costumava dizer isso, quando estávamos nos braços uns do outro. Palavras, imagens e sons percorrem-me agora a cabeça. Entro numa espécie de transe e não dou conta do tempo que passa. Sinto-me tão bem, envolto nos braços esguios e claros, que me apertam gentilmente, como se me convidassem a ficar mais confortável. Sinto o contraste entre a pele suave dela e a minha pele áspera, dura e forte. Ela, frágil, procura em mim força e segurança e eu respondo como posso para lhe dar o máximo prazer. Os seus gemidos, que mais parecem miados, inflamam-me a mente e o corpo, e respondo com mais força. Sinto-me tão bem e quente, que parece que voltei para o útero materno. E quis que esta sensação nunca mais parasse...
Dormi a viagem toda. Não sonhei, mas senti-me bem quando acordei. E se pudesse sentir-me bem assim, sempre! Mas a vida não é um sonho, sobretudo quando se acorda para a dura realidade. Olho para a janela, o sol está a nascer. Um novo dia começa, mas sei que será mais um dia sem ela, portanto não ligo muito. Sinto um toque no braço, a hospedeira diz-me que vamos começar a descer e para apertar o meu cinto. Olho a fixamente, até que ela cora. Não sei se percebeu em que é que eu estava a pensar, também já desviei o olhar. Concentro-me agora em esperar que o avião aterre, para que possa sair. E continuar com a minha viagem, até ao destino final.
Assim que, finalmente, somos autorizados a sair do avião, apresso-me para o tapete onde as bagagens já estão, à nossa espera. Lembro-me então de que viajo sem bagagem. Com a mente enevoada, e os olhos marejados, tomo a direcção do terminal de autocarros, para prosseguir com a minha viagem. Ando rápido e tento encontrar nos sons que me rodeiam, algo que bloqueie o gemido de gatinha que se torna cada vez mais audível e cada vez mais insuportável.