> Escritos: Redenção - Parte 4 - Autocarro

10.11.04

Redenção - Parte 4 - Autocarro

As vibrações do vidro fazem-me doer a cabeça e desencosto a cara da janela. Observo a paisagem melancólica, que se move devagar. O autocarro rola a velocidade de cruzeiro, mas parece-me que estamos a demorar uma eternidade a chegar. Estou inquieto, mexo-me no meu lugar. As pessoas à minha volta não reparam e continuam embrenhadas nos seus pensamentos. Abafo o grito de amargura que me rói a garganta e volto a olhar pela janela.
A planície ondulada e verde estende-se até ao horizonte e perde-se no agora cinzento céu. As nuvens carregam a tonalidade da atmosfera e tudo me parece triste e solitário. O som, leve, das primeiras bátegas a colidir com o vidro antecede à fustigação das chuvas furiosas, que atacam o autocarro impiedosamente. Há agora reacção por parte das pessoas; olham assustadas lá para fora. Algumas comentam que deve ser perigoso andar na estrada com este tempo. Apetece-me gritar que a chuva está a cair por minha causa e que eles não passam de peões no meio da minha luta contra as forças da Natureza. Persegue-me, tenta-me fazer voltar para trás, não quer que eu complete esta viagem. Sabe o que eu vou fazer, sabe o que eu estou decidido a fazer. E a pensar nisto, fico a olhar pela janela, fitando o céu carregado.
Seria assim até ao anoitecer, altura em que chegamos ao nosso destino, uma pequena cidade. E eu, impressionado com as gotas de água que escorriam pelo vidro, não conseguia deixar de pensar em todas as lágrimas que a fiz chorar.