> Escritos: Repentinamente

10.7.07

Repentinamente

Ciranda pela casa como um fantasma solitário na noite
e passa a mão pela cal das paredes e sente-a fria.
A madeira das portas não devolve o calor do tacto
e o vidro das janelas escorrega pelos dedos caídos,
pendentes da mão ligada ao braço desnudado.
Senta-se no canto, aninhada contra a escuridão da noite
à espera que a sua vez chegue ou que possa dormir
e somente abrir os olhos para ver que o dia chegou,
sem sobressaltos nem pesadelos longos mais uma vez.
A loiça acumula-se pela casa, o pó assenta nos móveis,
o frigorífico aberto aquece e estraga a comida
que deixa um cheiro a morte a pairar no ar, a pairar pela casa.
Arranha as paredes com as unhas crescidas rebeldes
e o cabelo cola-se-lhe à cara que prossegue sem lavar.
Isolada naquele canto torna-se o cúmulo de tudo,
o cúmulo da displicência, o cúmulo do vazio que a preenche.
Não precisa mais de cuidar da casa, nem de cuidar dela
nem das aparências para os amigos que não tem
desde que se tornou assim como ficará para sempre.
Afinal, ela é uma viúva.


RCA