> Escritos: Vislumbres

14.6.07

Vislumbres

Espreitei o futuro e este, sensatamente, contou-me o que se poderia passar se eu persistir em alimentar desejos de situações possíveis e improváveis.

Foi como se entrasse num espelho e visse reflectido no futuro, com todas as alterações que ele nos traz, o passado mas com intervenientes diferentes, com guarda-roupa diferente, num cenário diferente.

E por trás do espelho, como quem está por trás da cortina, observo e contemplo placidamente as mesmas situações pelas quais passámos, os mesmos acontecimentos.

Tens o cabelo diferente, mudou de cor. Estás mais baixa. Vestes-te de maneira similar, mas com um toque diferente que não sei identificar. Os teus olhos nadam noutra cor, navegam no mar alto dos teus sonhos que não sei concretizar. Falas de outra forma, analisas as coisas de outra forma mas invariavelmente respondes como sempre me respondeste.

E eu continuo numa projecção física deformada, alienante, incompleta. E continuo a pensar que só consigo atrair as pessoas que só vêem a imagem hipnotizante que criei na esperança de atrair alguém, como a aranha que aguarda no centro da sua rede pela frágil e inocente vítima que caia na falsa promessa da beleza dos fios transparentes como a alvorada e brilhantes como vidro. Se me conseguissem ver, como os insectos que conseguem ver a aranha, afastar-se-iam, aliviadas de não terem caído na armadilhada, congratulando-se pela ventura afortunada e avisando os próximos da minha estratégia maquiavélica.

Mas se conseguissem olhar para dentro de mim, assustar-se-iam ainda mais pela escuridão abissal que me consome e deleitar-se-iam pela luz refulgente que me preenche, pois que como numa espiral, rodopia a escuridão e a luminosidade dentro de mim.

E olho para cima, na esperança de ver quem dedilha os fios que nos sustentam nos nossos argumentos e que nos animam nas nossas acções, sejam elas de carinho, afecto, indiferença, desprezo. Olho para ver que o manipulador está oculto e os fios nunca chegam ao topo, nunca acabam.

Revejo a minha vida passada no futuro mas não me assusto. Afinal, isto era o que previa.

Saio do espelho, como quem abre uma porta e a fecha atrás de si. Fecho esse capítulo que está para vir que é um plágio do capítulo que já foi escrito, lido, revisto e analisado. Embrenho-me então no capítulo que escrevo presentemente e que continuará, sem nunca acabar, a menos que tu consintas em escrever um novo a meu lado.

RCA