> Escritos: 20, ou a banda sonora da vida de nós os dois

28.6.07

20, ou a banda sonora da vida de nós os dois

17. Grant Lee Buffalo - Happiness

Desligo o telefone ainda de olhos fechados. Disseste-me para ir ter contigo, disse-te que não consigo sequer levantar-me do chão; terás que vir cá a casa. Admiro-me de ter acordado, sequer. Admiro-me que haja alguma coisa que me fizesse sobreviver a tamanha ataque a todo o meu organismo.
Arrumo a sala e tomo um duche, de água fria como sempre. Fecho tudo o que seja fonte de luz e deito-me no sofá da sala. Acordo quando bates à porta. Entras e ficas chocada com o meu ar. Não chego a dizer que estive bem pior, não vale a pena. Vamos para a sala e abres as cortinas e corajosamente aguento esta agressão aos meus sentidos. Sentas-te e obrigas-me a sentar ao teu lado. Tudo o que dizes faz sentido, tudo o que pensas faz-me concordar contigo, mas a tua lógica esbarra na implacável muralha que sou eu. Falas durante horas, ou minutos ou segundos, mas não interessa. O que eu vou dizer suplanta todos os argumentos que minimizem o que se passou ontem à tarde. Conto-te então o que se passou ontem à noite.
Confesso-te que não percebo isto da felicidade, confesso-te que não compreendo porque é que tenho que ser feliz se isso traz a dor. Não te importes comigo porque eu sou geneticamente incapaz de estar bem, sou incapaz de não arruinar as pessoas que me rodeiam em quaisquer circunstâncias, não te importes comigo porque eu já estive no fundo do poço mais do que uma vez e, de uma maneira ou outra, consegui sair. Devo confessar que a maneira de sair é o whisky, os analgésicos, a escrita, alguém que me puxe para cima.
Interrompes-me dizendo que esse alguém és tu e que não me deixarás afundar. Tentas abraçar-me e peço-te para parar. Recuas e dás-me um pouco mais de espaço. Afagas-me o peito, acaricias-me o peito. Os teus esforços são em vão pois esta expressão ausente de sentimentos na minha cara já teve muitos anos para se formar e assentar, bloqueando qualquer tentativa de apaziguamento.
Afasto as tuas mãos. Desistes. Suspiramos e não consigo evitar um sorriso pela sincronização. Não deixes de procurar a felicidade enquanto eu procuro a escada que sobe para a superfície, digo-te ainda com o sorriso. De olhar baço, dizes-me adeus e sais da minha casa.