> Escritos: 20, ou a banda sonora da vida de nós os dois

8.6.07

20, ou a banda sonora da vida de nós os dois

14. Louis Armstrong - What A Wonderful World

Contorço as mãos em desespero. Prostrada, choras silenciosamente e, de quando em quando, o teu corpo é agitado por soluços. Olho para um espelho e dificilmente reconheço a figura que me devolve o olhar. És iluminada por uma nesga de luz que escapa ao sufoco das cortinas fechadas, o cabelo tapa-te a cara, o resto do teu corpo está na penumbra, de encontro à cama em que te apoias.
Sento-me no chão a teu lado e, pondo a mão no teu ombro, peço-te desculpa. Afasta a minha mão e não dizes nada. Desvio o olhar para os meus pés descalços, para os meus pequenos dedos, indefesos como tu. Que mundo maravilhoso este, que em seis semanas de namoro, consigo provocar uma discussão que te leva às lágrimas. Que mundo maravilhoso este em que uma besta como eu pode ter uma rapariga como tu e fazer e dizer as coisas que fiz e disse hoje. Peço-te desculpa novamente e tento explicar, outra vez, que as coisas que disse não eram uma crítica mas sim a verdade e que, apesar de cruel, não podia continuar mais cá dentro. Argumentas, com voz rouca, que para verdade, soava bastante a crítica destinada a arrasar. Ergo o olhar para o tecto. Não posso deixar de concordar contigo, o meu tom de voz foi maldoso, mas a minha intenção não era, juro-te que não era. Só queria contar-te o que tinha percebido ontem no miradouro, mas zanguei-me porque não estava a conseguir exprimir-me e tu assustaste-te. Não te culpo, culpo-me a mim e espero que percebas isso. Espero que percebas que não queria gritar e que te amo tanto que perder-te seria como afundar-me em areia e sentir a dor provocada por cada grão a entrar-me nos pulmões e a fechar os alvéolos.
Sobressaltada pela descrição ou talvez pela palavra “perder”, olhas para mim e, com força, agarras-me o braço. Tens os olhos inchados e as bochechas molhadas, tens o cabelo desalinhado e os lábios trémulos, mas nem por um segundo consigo deixar de achar que és linda mesmo assim. Dizes qualquer coisa que não percebo. Repetes que não me queres perder. O teu olhar confuso espelha a dúvida que te rói por dentro. Explico-te que não me quero ir embora, que não quero largar a tua mão nunca, mas que a mesma dúvida já me rói a mim também. Será que isto vai ser sempre assim? Será que sempre que eu te quiser dizer com franqueza o que me angustia me engasgarei e não consiga abraçar-te e afagar-te o cabelo, enquanto sussuro que está tudo bem?
Dói-me a cabeça. Fungas o nariz e aclaras a garganta, talvez para dizer algo mas acabas por engolir em seco e ficas calada. Calço-me e, de joelhos, seguro a tua cara com a as mãos. Vou dar uma volta para pôr as ideias em ordem e quando voltar falamos melhor sobre tudo isto. Levanto-me e saio do quarto. Olho para trás e vejo os teus pequenos pés descalços sobre o soalho frio.
Que mundo maravilhoso este.