20, ou a banda sonora da vida de nós os dois
A porta que fechas encerra contigo aquilo que me queres dizer; não saberei até alguém me explicar. Fico aqui, deitado no sofá da sala, sem saber o que saber porque tu te foste embora e não me disseste quando voltarias.
Viro-me para o lado e a almofada está à minha frente e não pode, nunca, devolver-me o olhar que tu me devolves, cheio de amor, paz e vida. Reviro-me e penso
Começa a pingar. As gotas batem no vidro inexpugnável, como vidas caídas e mortas sobre a terra fria. A lassidão das gotas é própria da chuva que cai das nuvens cinzentas e depressivas que se recusam a brotar com força contra os humanos que sofrem à minha semelhança. Continuo deitado, à espera de algo, de um sinal, de uma epifania. Não voltas ainda, não chegas a perceber que necessito que regresses para não cair na espiral de sofrimento pela qual passei na última noite. Volta, por favor, para que eu não ceda à tentação de descender ao inferno outra vez para que quando subir, seja mais doce que nunca a saborosa exaltação da liberdade. Volta, por favor.
A chuva persiste; tal como a minha persistência. Não voltas, continuo a sofrer. Achas bem o que me fizeste? Sei que o que te fiz foi errado; disse-te que não me farias feliz, mas não te expliquei também que era incapaz de sentir felicidade nos moldes humanos, os quais as pessoas comuns julgam normais. Nunca serei capaz de entender aqueles que encontram a normalidade e consequente felicidade numa vida rotineira, que têm horas marcadas para que os cônjuges lhes digam que os amam e que dedicam uma hora por semana para a exclusividade do acto do sexo. Sentir-me-ia incompleto com tal vida.
O meu coração bate no meu peito, irrequieto. Voltarás? Deixar-me-ás? Se a chuva parar de bater ignobilmente contra os vidros, escutarás o meu apelo? Sentirás a deslocação do ar provocada pelos meus pulmões que se enchem de saudade tua? As rugosidades do sofá arrepanham-se por entre os meus dedos. Sinto a falta da tua pele macia que contrasta com a pele gasta que me pertence. Sinto a tua falta.
A chuva bate pausadamente, de acordo com as rajadas de vento. Vou até à janela e, com um gesto repentino, abro-a. Sou imediata e impiedosamente esbofeteado pelas águas e ventos que conjuram contra mim nesta tarde que morre para lá dos prédios. Cada minuto que passa é mais difícil; porque não me ligas e acabas com o meu sofrimento? Passo em seco todos os momentos em que estás afastada, passo em seco todos os minutos que não te sinto a meu lado. Passo em seco e sinto a necessidade de hidratar a secura. Combato. Combato com todas as forças, consciente que a única coisa que me mantém são é a consciência de tal defeito. Passo em seco duras horas em que a minha única companhia é uma garrafa com um copo virado ao contrário no seu gargalo e que só estou impedido de o tirar por ti.
A chuva cessa. O sol escorrega por entre os prédios. Escurece e as nuvens, contrariamente ao que seria de esperar, concentram-se ainda mais para engolfar a terra
Volta por favor para mim, para que eu te possa idealizar mais uma vez sem sentir o remorso latente a cada uma das vezes que me senti inútil. Volta, por favor.
A água preenche a minha janela, a saudade preenche o meu coração, a angústia preenche a minha alma. Volta por favor, para que a chuva pare; volta por favor, para que me possas ajudar; volta por favor para que seja novamente completo.
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