> Escritos: 20, ou a banda sonora da vida de nós os dois

10.5.07

20, ou a banda sonora da vida de nós os dois

10. Gomez - Get Miles

Suspiras e mudas de posição no banco, mantendo sempre os olhos fechados. Tremes ligeiramente; sem tirar os olhos da estrada, aumento mais um pouco o aquecimento.
Levo-te para longe. Fugimos da cidade que adoramos mas que nos mata com o silêncio artificial dos seus apartamentos, os carros que circulam nas ruas, todas as pessoas nos cafés, restaurantes e lugares públicos com as suas conversas e acções fúteis que transformam a vida numa colectânea de momentos sem significado e sem ligação entre si. Sim, é por isso que fugimos da cidade em direcção ao mar e aos pinhais que escondem o extenso areal oposto ao oceano brilhante como uma gigante safira que, no limite, se confunde com o azul do céu.
Em surdina, perguntas se falta muito. Respondo que não enquanto passo a mão direita do volante para a tua cara e a acaricio gentilmente. Ajeitas-te de modo a facilitar-me a tarefa e quase que me vêem lágrimas aos olhos por seres só minha. Dorme, digo eu, porque quando acordares já estaremos longe de tudo quanto possa ser um entrave à nossa felicidade. Esboças um sorriso que detecto pelo canto do olho e pareces deslizar para um sono de contentamento imperturbável para o qual invejo-te por não te poder seguir.
Acordas, finalmente, quando o sol que espreita pelas cortinas meio corridas te ilumina a cara. Abres os olhos e, com um sorriso lânguido por saberes que te observo, espreguiças-te de maneira gloriosa. Ficas ainda uns segundos a remexer-te nos lençóis alvos até que decides despertar de vez e ergues-te para me beijares e me apertares contra ti. Pego-te na mão e levo-te por ela e vens obedientemente como que uma criança a quem foi prometida um chocolate se se portasse bem durante um bocado. Seguimos para as traseiras das casas e mostro-te o carreiro por entre o pinhal que leva à praia e ao mar azul refulgente ao sol.
Quando assomes à porta, já vestida, metemos por entre as árvores até chegarmos ao areal puro e branco. Vou dar um mergulho enquanto observas tudo o que te rodeia. Quando regresso, a tremer de frio, ainda te encontras assoberbada por tanta liberdade que nos isola, que nos torna únicos, que nos torna felizes. Dás por mim agarrado à toalha e envolves-me num abraço e secas-me com o teu calor. Beijo-te e saboreias o sal do meus lábios avidamente, como se quisesses injectar o sal directamente para a corrente sanguínea. Tiras-me os cabelos molhados da cara num gesto cheio de amor e estendes a minha toalha na areia para que me possa deitar e secar ao sol. Confortado com tanto carinho, adormeço com plena consciência que a paz que sempre desejei estava ali naquela porção de areia que tu ocupas ao meu lado.
Acordo com gotas de água que caiem na minha cara. O meu primeiro pressentimento é que tudo isto não passara de um sonho e que estou em casa e chove e nunca serei capaz de ser feliz. Mas chamas-me e tudo é bom novamente. Tapas o sol mas o teu sorriso neste momento brilha mais que qualquer estrela e vejo-me reflectido nos teus olhos brilhantes e cheios de vida. Levanto-me com um salto e abraço-te. Envolvo-te nos meus braços com força suficiente para nunca mais me fugires, nem mesmo enquanto dormimos. Sussurro-te isto ao ouvido e beijas-me com fervor. Arranhas-me as costas com as tuas unhas ainda molhadas e fazes-me arrepiar. Aperto-te cada vez mais e cada vez mais me fazes arrepiar e gemer de prazer. Deitamo-nos nas toalhas abertas sob o sol e, naquela praia deserta delimitada pela imensidão do oceano azul de um lado, pelos pinheiros verdes que se agitam levemente ao sabor do vento do outro e pela areia que se estende até ao horizonte longínquo, fazemos amor pela primeira vez.