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5.3.07

Estendo

Estendo a minha rede, como quem pesca. Utilizo os meus artifícios, as minhas técnicas, os meus truques. Nada surte efeito. Nada se altera. O sol sobe no horizonte e o vento breve bate as ervas junto à água.
Estendo a minha teia, como quem caça. Nada ainda; nada se passa. Sozinho, alhures, procuro atrair algo para junto de mim, mas demonstra-se impossível. O sol está a pique, bate directamente na minha cabeça morena, queimando a minha pele. O vento pára, as águas murmurejam e as cigarras cantam nas árvores.
Estendo a minha mão, como quem alcança. Nenhum ser agarra os meus dedos; apalpo o ar. Estou só, só ficarei. Uma nuvem desloca-se para longe, deslizando enquanto se afasta do sol e o calor volta.
Estendo os meus olhos, como quem observa. Ninguém à vista, ninguém que me leve deste isolamento. O sol começa a descer enquanto incendeia a atmosfera, diluindo as cores ao longe num vermelho ocre.
Estendo a minha imaginação, como quem cria. Multidões rodeiam-me, vida surge à minha volta por tudo quanto é lugar. De forma efémera; esfumam-se no ar assim que me distraio. As primeiras estrelas surgem no firmamento, libertas do jugo do sol.
Estendo a minha memória, como quem revive. Não me lembro da última vez que não estive sozinho. A escuridão assenta-me sobre os ombros. Imóvel, sinto o peso opressor das sombras e da angústia que carregam.
Estendo a minha vontade, como quem desiste. Não voltarei a sonhar com companhia. Estou isolado, isolado ficarei. As horas passam, a vida acaba-se e eu fico ali, enquanto tento atrair algo para junto de mim mas sempre falhando, sempre ficando só.


RCA