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26.3.05

Cativeiro

Olho à minha volta: as mesmas grades, as mesmas pedras, as mesmas correntes, tudo é igual ao início, tudo é constante. Passam os tempos, passam as pessoas, passam os motivos; continuo preso.
Continuo para aqui deixado, exilado, humilhado. A única coisa que me consola, é saber que nada fiz para não merecer estar aqui. Merecerei estar manietado? Merecerei não ser livre? Se calhar sonhei demasiado alto, demasiado longe, demasiado perfeito para os homens comuns. Se calhar desafiei alguma razão ou hierarquia superior, se calhar contestei involuntariamente uma lógica imutável e talvez por isso esteja para aqui a um canto.
O tempo passa. O sol vai e vem, as nuvens fazem-se e desfazem-se, lenta e pacientemente. Não temos alternativa senão esperar pelo fim da eternidade, eu e elas, elas e eu. Somos companheiros de espera, mas elas estão lá fora. Lá fora, ao vento, à chuva, durante o dia, durante a noite. Minhas fiéis companheiras, minhas tortuosas companheiras de cativeiro.
Choro. Por todas as coisas que não vi, pelas vezes que não penteei os teus cabelos, pelos dias mortos em que dormimos, pelas folhas caídas que contemplámos sem nos questionarmos o porquê da nossa hesitação. E por aqui continuo, envolvido em lágrimas, pensamentos passados e futuros, e espero. Espero pelo presente que não vem, que se confunde com o que foi e com o que será.
Imobilizo-me. A esperança não me abandona porque nunca me preencheu. A conformidade é um dom que possuo, a ignorância é a felicidade que desejo. Espero aqui que deixe de sonhar com a nesga de céu que vejo por entre as barras. Conformo-me à cela onde fui confinado, conformo-me com a minha conformidade, não cedendo ao desespero. Estou aqui apenas, resignado, à espera que o tempo passe para que chegue o dia que não há-de chegar.


RCA