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20.10.04

Esclarecimentos - Parte II - Meio

- Rita, estás maluca! Larga isso! Onde é que arranjaste uma pistola!? - gritou uma vez mais o Rodrigo, enquanto se tentava soltar - Pensa bem no que vais fazer! Não podes matar assim uma pessoa!
- Quem disse que ia matar alguém? Isto é só um objecto de persuasão... Quanto a como a arranjei, já alguma viste ouviste dizer que quando uma pessoa quer muito uma coisa, acaba por a conseguir ter? Então... - explicou a Rita - E agora chegou a altura de sabermos o que realmente... - foi interrompida por um murmúrio vindo de uma das camas. Os dois olharam para uma das camas da ponta e viram que uma das raparigas estava a acordar.
- Olá Inês, dormiste bem? - perguntou a Rita num tom irónico.
- Onde... Onde estou? O que é que... - a Inês não acabou a frase ao reparar que a Rita tinha uma pistola na mão. Aterrorizada ficou a olhar para ela, sem reparar que havia mais gente à sua volta.
- Tem calma, isto vai-se resolver... - disse o Rodrigo num tom calmo, a tentar controlar a situação. A Inês reparou então nele, que estava sentado também numa cama, e também amarrado. Olhou para os lados e viu também mais duas raparigas: uma era-lhe ligeiramente familiar, a outra nunca tinha visto na vida.
- Rodrigo? Rita? O que é que se passa? Porque é que tens uma arma, Rita?
- Estamos só à espera que as outras raparigas acordem para que o Rodrigo se explique, Inês... Ninguém vai fazer-te mal, está descansada. - a Rita estava agora em completo domínio da situação, porque o Rodrigo apercebeu-se que ela estava consciente do que estava a fazer. Desistiu de tentar soltar-se e ficou quieto e calado, à espera.
Passaram ainda alguns minutos, até que as outras duas raparigas acordaram, mais ou menos simultaneamente. Após alguns segundos de perplexidade, a Rita começou a falar:
- Agora que a Margarida e a Joana acordaram, já posso começar a explicar o que é que estamos todos a fazer aqui.
- O que é que estás a fazer, Rita? Estás maluca? - disse a medo a Margarida.
- Cala-te! Vocês as três vão estar muito caladinhas. Só eu e o Rodrigo é que vamos falar e vocês só abrem a boca quando eu mandar! - Gritou a Rita, brandindo ameaçadoramente a pistola.
- Rita... - começou o Rodrigo. Com um ar de desprezo, a Rita mandou-o calar.
- Como eu estava a dizer, estamos aqui reunidos para ver se o Rodrigo é mesmo um homem! Vocês as três sabem que eu e ele namorámos durante muito tempo. Meses e meses a fio em que não podíamos viver um sem o outro. Ou pelo menos pensava eu. - a Rita tinha agora um ar triste - Porque quando acabávamos, eu pensava que ele ainda gostava de mim. E se calhar até gostava, porque era eu que acabava e ele nunca queria. Sei agora que foram estupidezes, porque senti como nunca a falta dele nesses tempos em que estive sozinha. Estive sozinha, mas o Rodrigo não. Ele conseguia sempre seguir em frente e eu ficava espantada. Mesmo quando os amigos dele me diziam que ele só estava com outras raparigas porque era um coisa carnal, ele ainda gostava de mim. Mas então porque é que ele cedia sempre aos impulsos? Eu nunca fiz nada disso, sempre tive calma. Nunca o traí, e podia tê-lo feito, e nos tempos em que não estávamos juntos, só estava com um rapaz de quem gostasse mesmo. Apesar de nunca ter gostado de um rapaz, como gostei dele... e ainda gosto... - disse a Rita, cada vez mais triste. Estava cabisbaixa e o Rodrigo sabia que ela poderia irromper em lágrimas a qualquer segundo.
Ficaram assim em suspenso uns minutos até que a Rita levantou a cabeça. Tinha os olhos húmidos mas conseguiu manter o controlo. Recomeçou então a falar:
- E chegamos então à primeira parte desta história. Ainda éramos os dois novos. Andávamos há algum tempo, mas eu decidi que não estava a correr bem. Já não me conseguia dedicar tanto a ele e via que ele ficava magoado quando isso acontecia. Decidi então acabar. Eu penso que até foi um gesto altruísta... Eu sabia que não o estava a fazer feliz, então soltei-o, mesmo sabendo que eu depois viveria na incerteza. É que enquanto o Rodrigo era um rapaz bonito e que não teria problemas nenhuns em arranjar outra rapariga, eu não era muito bonita e não teria tanta facilidade como ele. E não tive mesmo... E é aqui que aparece a Margarida. Eles os dois já tinham namorado antes de mim e do Rodrigo. Não era surpresa nenhuma de os dois se darem bem, o que foi uma surpresa foi que eles os dois curtissem uma semana depois de eu ter acabado com o Rodrigo. Uma coisa bastante física, para a idade que tínhamos, na altura. Mas eu nada disse, porque sabia que éramos novos e pensei que fosse uma coisa da idade. Não estou a culpar a Margarida, porque provavelmente não saberia que eu e ele tinhamos uma relação especial. Durante algum tempo, achei que o Rodrigo já se tinha esquecido de mim, mas mais tarde disseram-me que tinha sido só uma coisa carnal, que eu o tinha magoado e que ele estava... vulnerável. Ele próprio mais tarde disse-me que tinha sido um erro. E eu acreditei, por amor. Até porque nunca deixei de gostar dele...
A Margarida nada disse e o Rodrigo começou a pensar onde é que a antiga namorada queria chegar. Se ia fazer aquilo para as outras duas raparigas, então as coisas poderiam começar a ficar feias, pois a Rita estava agora com um ar cada vez mais sinistro. A sua própria voz estava irreconhecível; tinha um tom calmo, contido e ao mesmo tempo magoado, mas também se notava uma certa raiva crescente.
- Estivémos separados durante algum tempo, um ano e tal. Nessa altura, ele teve os seus relacionamentos, e eu tive os meus. Sabia que ele era feliz, e isso bastava-me. Foi nessa altura em que ele começou a andar com a Joana. Uma coisa das férias, até porque a Joana é mais velha. Quando se acabaram as férias, já era diferente. Ele próprio disse-me que as coisas entre ele e a Joana não iam muito bem. Algum tempo depois, o Rodrigo disse-me que tinha acabado com ela. Fiquei feliz, porque tinha agora a oportunidade de fazê-lo voltar para mim. E foi o que aconteceu. Mas os relacionamentos nunca são perfeitos e houve uma altura em que decidimos dar um tempo. Eu percebi porque é que ele queria um tempo, foi por culpa minha, básicamente. E durante alguns tempos até correu bem. Falávamos normalmente, mas parecia-me estranho estar com ele e não poder abraçá-lo nem beijá-lo, mas ele queria o seu espaço e eu respeitei a sua vontade. Até que ele veio ter comigo e disse que tinha uma coisa muito importante para me dizer. Fiquei com medo que ele me quisesse deixar, mas aguentei a ansiedade. Foi então que ele me disse o que é que se tinha passado: durante o tempo em que não estivémos juntos, ele tinha estado com a Joana. Curtiram e só espero que se tenham ficado por aí; o resto não sei porque ele não me contou. Não tive outra opção senão perdoá-lo, porque o amava muito e não o queria perder. Só que esta foi uma daquelas coisas que não podia ficar impune, já que estamos numa onda de esclarecimentos. Aqui culpo os dois pela situação. A Joana por sequer ter tentado curtir com o Rodrigo e culpo-o a ele por ter cedido. Não percebo é como é que a Joana teve coragem de fazer o que fez, mesmo sabendo que ele tinha uma namorada, mesmo estando a dar um tempo. Ou se calhar o Rodrigo não lhe disse...
- És uma frustrada! Eras uma miúda para ele! Ele precisava de alguém mais responsável e com mais experiência do que tu! - gritou a Joana, tentado libertar-se.
- E tu és uma puta! Eu posso ser uma frustrada, - disse a Rita, enquanto armava a pistola e encostava-a à testa da Joana - mas quem é que tem uma pistola encostada à cabeça? - tinha um ar calmo e satisfeito; era aquela a vingança que planeava? Tencionava matá-los a todos?
- Tem calma Rita, não te ponhas em situações das quais não podes sair - aconselhou o Rodrigo.
- Eu sei Rodrigo, estou só a apreciar o momento... - a Rita tinha um sorriso nos lábios e começou como que a dançar à volta das camas, com a pistola agora junto ao peito. Era bizarro.